quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Tem rapariga aí?

Eu sinceramente não sei há quantos anos eu leio o José Teles, mas é muito tempo. Não leio mais ainda porque ele é cabeça dura e não criou um blog até hoje :)

Além de excelente crítico musical – olha que eu costumo desprezar críticos – ele sempre se destaca com seus contos cômicos envolvendo Flamígio, o sarará Manontroppo, as frustrações e situações estranhas de sua turma de boteco (Fiquei assustado, não achei NADA na internet sobre os contos dele, uma injustiça).

Bem, mas um texto do Zé Teles está circulando entre blogs e e-mails está dando o que falar.
Vi no blog da Luci Correia e achei interessante divulgar.
É bom lembrar que o José Teles não é evangélico, moralista ou bundão... Nem eu, mas é bom não misturar arte, credos e diversão com esse lixo que chamam de música popular.



A música dos valores perdidos
Publicado em 06.05.2008, às 08h47

JOSÉ TELES é crítico musical do Jornal do Commercio


"Tem rapariga aí? Se tem levante a mão!". A maioria, as moças, levanta a mão.

Diante de uma platéia de milhares de pessoas, quase todas muito jovens, pelo menos um terço de adolescentes, o vocalista da banda que se diz de forró utiliza uma de suas palavras prediletas (dele só não, de todas bandas do gênero). As outras são "gaia", "cabaré", e bebida em geral, com ênfase na cachaça. Esta cena aconteceu no ano passado, numa das cidades de destaque do agreste (mas se repete em qualquer uma onde estas bandas se apresentam). Nos anos 70, e provavelmente ainda nos anos 80, o vocalista teria dificuldades em deixar a cidade.

O secretário de cultura Ariano Suassuna foi bastante criticado, numa aula-espetáculo, no ano passado, por ter malhando uma música da banda Calipso, que ele achava (deve continuar achando, claro) de mau gosto. Vai daí que mostraram a ele algumas letras das bandas de "forró", e Ariano exclamou: "Eita que é pior do que eu pensava". Do que ele, e muito mais gente jamais imaginou.

Pruma matéria que escrevi no São João passado baixei algumas músicas bem representativas destas bandas. Não vou nem citar letras, porque este jornal é visto por leitores virtuais de família. Mas me arrisco a dizer alguns títulos, vamos lá: Calcinha no chão (Caviar com Rapadura), Zé Priquito (Duquinha), Fiel à putaria (Felipão Forró Moral), Chefe do puteiro (Aviões do forró), Mulher roleira (Saia Rodada), Mulher roleira a resposta (Forró Real), Chico Rola (Bonde do Forró), Banho de língua (Solteirões do Forró), Vou dá-lhe de cano de ferro (Forró Chacal), Dinheiro na mão, calcinha no chão (Saia Rodada), Sou viciado em putaria (Ferro na Boneca), Abre as pernas e dê uma sentadinha (Gaviões do forró), Tapa na cara, puxão no cabelo (Swing do forró). Esta é uma pequeníssima lista do repertório das bandas.

Porém o culpado desta "desculhambação" não é culpa exatamente das bandas, ou dos empresários que as financiam, já que na grande parte delas, cantores, músicos e bailarinos são meros empregados do cara que investe no grupo. O buraco é mais embaixo. E aí faço um paralelo com o turbo folk, um subgênero musical que surgiu na antiga Iugoslávia, quando o país estava esfacelando-se. Dilacerado por guerras étnicas, em pleno governo do tresloucado Slobodan Milosevic surgiu o turbo folk, mistura de pop, com música regional sérvia e oriental. As estrelas da turbo folk vestiam-se como se vestem as vocalistas das bandas de "forró", parafraseando Luiz Gonzaga, as blusas terminavam muito cedo, as saias e shortes começavam muito tarde. Numa entrevista ao jornal inglês The Guardian, o diretor do Centro de Estudos alternativos de Belgrado. Milan Nikolic, afirmou, em 2003, que o regime Milosevic incentivou uma música que destruiu o bom-gosto e relevou o primitivismo estético,. Pior, o glamur, a facilidade estética, pegou em cheio uma juventude que perdeu a crença nos políticos, nos valores morais de uma sociedade dominada pela máfia, que, por sua vez, dominava o governo.

A cantora Ceca foi uma espécie de Ivete Sangalo do turbo folk (ainda está na estada, porém com menor sucesso). Foram comprados 100 mil vídeos do seu casamento com Arkan, mafioso e líder de grupo para-militares na Croácia e Bósnia. Arkan foi assassinado em 2000. Ceca presa em 2003. Ela não foi a única envolvida com a polícia, depois da queda de Milosevic, muitos dos ídolos do turbo folk envolveram-se com a justa pelo envolvimento com a poderosa máfia de Belgrado.

A temática da turbo folk era sexo, nacionalismo e drogas. Lukas, o maior ídolo masculino do turbo folk pregava em sua música o uso da cocaína. Um dos seus maiores hits chama-se White (a cor do pó, se é que alguém ignora), e ele, segundo o Guardian, costumava afirmar: "Se cocaína é uma droga, pode me chamar de viciado". Esteticamente, além da pouca roupa, a sanfona é o instrumento que se destaca tanto no turbo folk quanto no chamado forró eletrônico, instrumento decorativo, ali muito mais para lembrar das raízes da música tradicional. Ressaltando-se que não se tem notícia de ligação entre bandas de "forró" e crime organizado. No que elas são iguaizinhas é que proliferaram em meio a débâcle de valores estéticos, morais, e éticos, e despolitização da juventude. Com a volta da governabilidade nas repúblicas da antiga Iugoslávia, o turbo folk perdeu a força, vende ainda porém muito menos do que no passado, hoje é apenas uma música popular para se dançar, e não a trilha sonora de um regime condenado por, entre outras lástimas, genocídio.

Aqui o que se autodenomina "forró estilizado" continua de vento em popa. Tomou o lugar do forró autêntico nos principais arraiais juninos do Nordeste. Sem falso moralismo, nem elitismo, um fenômeno lamentável, e merecedor de maior atenção. Quando um vocalista de uma banda de música popular, em plena praça pública, de uma grande cidade, com presença de autoridades competentes (e suas respectivas patroas) pergunta se tem "rapariga na platéia", alguma coisa está fora de ordem. Quando canta uma canção (canção ?!!!) que tem como tema uma transa de uma moça com dois rapazes (ao mesmo tempo), e o refrão é "É vou dá-lhe de cano de ferro/e toma cano de ferro!", alguma coisa está muito doente. Sem esquecer que uma juventude cuja cabeça é feita por tal tipo de música é a que vai tomar as rédeas do poder daqui a alguns poucos anos.

3 comentários:

Anônimo disse...

nunca poderia imaginar que havia na Iugoslávia coisa parecida...
vale lembrar também que, além desse "forró estilizado", aqui na Bahia muitas bandas de axé, padoge, fazem letras que são uma verdadeira "baixaria"..onde o foco é sempre uma conotação sexual, enquanto outras são pura depravação...
e, detalhe: as crianças vêem na tv e ficam dançando na rua, em casa, na escola, muitas sem perceber que essas danças envolvem muitos gestos sexuais..

Chantinon disse...

Josue,
eu to longe se ser puritano ou um moralista...
Mas eu quase infartei quando vi em uma escola (Escola de ricos não estou falando de escola de favela) onde em uma festinha para criança de jardim e alfabetização a professora dançava como num ritual sexual musicas baianas com palavras que aquelas pobres crianças deveriam ter 5 vezes mais idade para poder ouvir...

O pouco que sei sobre Iugoslávia e pequenos países da Europa é que todos passaram por dificuldades...
A Iugoslávia foi um dos ultimos a se livrar de muita coisa estranha.

A diferença é que esses países passaram por fome, ditadores crueis e uma desordem geral...

Aqui não temos fome, somos livres, não temos um inverno congelante, e somos essa porcaria.
Um país que o povo é tão alienado que aceita (mesmo tendo tudo para dar certo) viver sem ética ou moral (moral aqui vai além, é a alma que perdemos).

Anônimo disse...

é, aqui em Salvador há um apelo muito forte por parte dos meios de comunicação, onde as rádios só tocam um tipo de música, a maioria com uma linguagem pobre e muitas vezes depravada
uma pessoa de fora que vier aqui e ficar um dia inteiro com a rádio ligada, se sente mal.
eu diria que é uma espécie de "pornografia musical"