terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Eu vi a fome!
















Recife é uma das cidades mais violentas do país, isso não é novidade. O Nordeste como um todo é um grande espelho das injustiças sociais e da impossível quebra do paradigma entre muito ricos e muito pobres. Os muito ricos não abrem mão, e os muito pobres não possuem educação para lutar ou mudar isso. É algo tão simples de entender como a necessidade do ser humano em respirar, comer e amar (No sentido de fazer amor mesmo).

Estou eu dirigindo-me para casa, cortando a Avenida Agamenon Magalhães, passando pelo Hospital da Restauração, um exemplo da saúde pública nacional - exemplo que não deve ser seguido por ninguém – mais adiante o Hospital Santa Joana, na verdade um grande complexo de saúde, com heliporto, maquinário tecnológico idêntico ao encontrados nos melhores hospitais do mundo (Recife é o terceiro maior pólo médico do Brasil, e segundo em Neurologia e Cardiologia). Agora paro no sinal entre a Rua Joaquim Nabuco e a Rua Guilherme Pinto.

Parei.

Parei.

Sim, instante de dormência. Fiquei congelado. Acredito que nesse instante até meu coração parou de bater. Eu não ouvia mais o som dos veículos que transbordam pelas avenidas nesse horário que alguns chamam de Hora do Rush. Meu Deus!... O que é isso?

A minha frente o Derby Center, uma galeria decadente, movimentada na minha infância dos anos 80. Na outra esquina a Graças Delicatessen, que fica na mesma rua do Restaurante Macunaíma (Que nome sugestivo). Esse cruzamento é chamado de Quatro Cantos, já que é um ponto de união entre quatro bairros muito valorizados.

Se eu descesse do meu carro nesse instante, (excluindo a Graças Delicatessen) teria no mínimo de 10 a 15 opções de lanchonetes ou restaurantes em um raio inferior a 150 metros.

Sim, o sinal estava vermelho.

Só a alguns metros a minha frente, vejo uma criatura, um ser, um humano. Meu coração parou. Todos aqueles carros e prédios sumiram. Todo aquele cheiro inebriante de pão quente que vinha daquela fornalha logo ali na esquina... Uma padaria para ricos, que sabem apreciar o sabor e o prazer de comer bem... Tudo sumiu. Até a noite fugiu.
Me vi em um deserto escaldante.
Na seca. Na rocha quente, cercado de urubus. Sim, eu estava na África selvagem.

Vi se levantar daquela calçada uma mulher, uma criatura, um ser, um humano, não pesava mais que 40 kilos. Não, ela não tinha piercings ou tatuagens e magreza das muitas meninas modelos que moram naquelas redondezas (Não da África e sim dos Quatro Cantos).
Seus ossos da face deixavam a pele esticada, formando vincos e estrias. 40 kilos.
Sim, 40 kilos. Pele e ossos que tinham que se dividir para agarrar duas vidas, já que aquela mulher carregava uma barriga de 9 meses.

Convivo com a miséria desde que nasci, mas nunca tinha visto fome de verdade.
Aquela mulher não era um daqueles que vivem de semáforo em semáforo. Que cobram pedágio pelo seu “ponto comercial”. Aquela mulher, era a verdade, era tudo que eu só tinha visto em fotos.

Antes de o semáforo tornar-se verde, ela me olhou, esticou a mão, e não perdeu tempo. Não quis esperar minha resposta. Correu desesperada para a picape que estava ao lado, era tão alto aquele carro de R$ 200 mil, que o ocupante provavelmente nem a viu.
Ninguém a viu, só eu.

E ali, no “meu” carro parcelado em vários anos. Só com o combustível da volta. Nem uma moeda, nem um pedaço de pão.
Poderia ter parado, estacionado. Me dirigido aquela padaria de ricos, gritado PELO AMOR DE DEUS um pedaço de pão... Os ricos iriam rir de mim, claro. “Esse homem de olhos verdes e pele de gringo, só pode estar brincando ou é louco” – pensariam e falariam os ricos.

Mas o sinal abriu, e eu parti. Fugi da África!
E pela primeira vez eu vi a fome.

Já vi várias vezes pessoas comendo lixo, mas eles eram gordinhos.
Já vi em jornais, crianças aqui do meu Pernambuco, exibindo ratos gigantes, que logo após a foto iriam para a panela.

Mas aquela mulher com sua barriga, com seus ossos da face, me mostrou a fome.
A fome física, a fome espiritual, a fome do amor.

Tantos carros, tanta gente, tanta correria... Tantos restaurantes, tantos prédios, tantos ricos, e muito... Mas muito mais pobres... Pobres de mentalidade, pobres espirituais e pobres de amor.

Vivemos em um país que tem 35 Ministérios (Nos anos 80 eram 12, antes do PT eram...?);
Nossa ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, gastou mais de R$170.000,00 com despesas... Que despesas? Você sabe o que ela comprou? Você acredita que o Brasil é um país racista?;
O também ministro (É secretário, mas o status é de ministro) da Secretaria Especial da Aqüicultura e Pesca (SEAP), Altemir Gregolin, está na roda dos que gastaram “demais” com o cartão corporativo;
Você consegue arrumar algum motivo para 12 deputados brasileiros irem dar um passeio da Antártida?;
Você consegue pensar em algum argumento, motivo, ou justificativa lógica para Recife ganhar uma praça de R$ 18 milhões, e que leva o nome da mãe do Lula?;
Não temos dinheiro para educação, mas teremos uma Copa de Futebol em 2014;
Escolas de Samba são patrocinadas por bicheiros e traficantes, como o futebol;
Não existe um só brasileiro preso por matar dirigindo bêbado...

Se você acha que estou errado. Estou exagerando e que o mundo é de algodão doce,
é porque você ainda não esteve na África dos Quatro Cantos... E como seu conforto é um anestésico para sua consciência, se prepare... Na África do outro lado do oceano, os poderosos muitas vezes são decepados e por aqui, na nossa África, as folhas de mandioca que alimentam os negros magros foram trocadas por crack e maconha... Você pode dar de cara com essa pobre mulher a beira da morte com seu feto, ou poderá ser um guerreiro drogado da mesma tribo, só que no lugar do facão, você verá o brilho de um revolver.

Acordem...

Antes que seja tarde demais...
Agora tenho mais uma culpa para carregar: Por que eu não fiz nada?

11 comentários:

kimikkal disse...

Texto muito bom, gostei dessa "foto em palavras" do dia-a-dia brasileiro.

E duas achegas:

- 35 ministros é mesmo MUITO Ministro! Fui ver na Wikipédia e vi que nesses 35, um era Ministro da Agricultura e outro era da Reforma Agrária...Não é a mesma coisa?!?

- Quando Portugal organizou o EURO 2004 em Futebol, foi uma loucura no país, tudo alegre até à final, mas ainda hoje estamos a pagar a factura dos 10 estádios novos (Sim, os clubes são donos dos estádios, mas foi o Estado que os financiou...), esperemos que o Brasil não caia no mesmo erro para o Mundial 2014, Pão é mais importante que Circo.

Suaninha disse...

Porr... Marcos,
essa chocou!

Nossa...

Bjuss pra vc!

Anônimo disse...

Cara o pior, é ver que ainda estão tentando aumentar a arrecadação via multas de trânsito, (chegando até R$ 600mil), e na hora de mostrar os gastos corporativos.. até um tapioca 8,90.. serve!!1

Abraço

Let's disse...

eu ando muito intolerante com pedido de esmolas... cada vez mais tô ficando igual ao meu pai (e isso não bom)... eu sempre salto um : "pede pro lula" ou então "vai na prefeitura"

mas fome estilo africa nunca me deparei... isso é foda...

lcaralho03 disse...

Opa!
Eu achei teu link da resenha do How To Measure a Planet? em uma comunidade do The Gathering, me interessei e achei sua resenha muito boa. Real e divertida.
E sim, eu li ela áté o final.
E eu gosto de Liberty Bell - do clip dela - e do visual da Anneke nele.

No mais, não li seu último post por estar com pressa.

Abraço

Chantinon disse...

Immature,
Essas pessoas não votam.
Alguns ganham alguns trocados para votar a cada 2 anos.

Não podemos cobrar de quem não tem consciência, quem não tem nada!
Dá uma lida no ultimo post do Leon k.
http://literaturavil.blogspot.com/2008/01/humberto-e-o-beijo-na-lona.html

Pedir a essas pessoas que lutem é o mesmo que chutar um cachorro pq comeu uma salsicha jogada no chão.

Anônimo disse...

Mr Chant, Esse post me fez lembrar quando eu comentei sobre um rapaz que eu vi .. ele jazia na pista da pe-15, sem vida, seu corpo ainda perto de sua bicicleta e algumas sacolas de uma pequena compra de feira que seu trocado conseguiu comprar... Essa morte não saiu em nenhum jornal... nem nas estatísticas da semana da TV saiu... Tudo por que não era um cantor famoso, ou alguem que a TV achasse importante... mas foi importantíssimo na vida de uma simples mulher que chorava copiosamente sua morte assim que vira seu marido com o cranio quebrado na pista... So tenho isso a disser.

M. Ulisses Adirt disse...

Caprichou no texto... E, sobre a sua culpa, ainda dá pra voltar lá, não?

Lilian Barbosa disse...

Nossa! Nunca me deparei com uma situação dessas e nem sei como eu agiria. Posso imaginar o seu choque ao ver a cena real da fome à sua frente. Apenas imaginar, já que nunca fiquei cara a cara com a 'fome' propriamente dita. Lembro-me de ter visto uma imagem que chocou bastante e ficou conhecida: http://thedarkside.weblogger.terra.com.br/img/urubu_fome_121204.jpg
Acho essa imagem muito forte, e é uma pena admitir que é a realidade.
Já estudei a respeito da vida e obra de Josué de Castro. Ele fala justamente a respeito do que você postou. A fome do tipo "África" tem aqui no Brasil também. É uma calamidade que afeta tanta gente e que insistimos em ignorar...

Chantinon disse...

Ulisses,
Não voltei não.
Ela não estaria mais lá.
Ou já foi re(a)colhida por alguém, ou não respira mais.

Lilian
O Brasil é um país muito rico, só não aprendemos a dividir. Nossa sociedade permanece na idade média.
Além disso não sofremos grandes desastres, guerras ou epidemias.
Precisamos de uma grande tragédia que nos coloque dentro, que nos traga dor pessoal...
Ou todos continuaremos na mesma.
E estou tão cansado que nem mais faço minha parte...

E quero do fundo do meu coração, que políticos que falam _"A sociedade tem que fazer sua parte". Queimem vivos!

Deftones disse...

É muito triste e abatida a vida comum de várias pessoas na periferia das grandes cidades. Imagine a de quem vive na rua, sobrevivendo de restos. Pior do que isso, imagine como será a de pessoas que, como essa pobre faminta do texto, nunca deve ter se adaptado a essa vida de mendigo - "vida boa", segundo pensam alguns expoentes da classe média branca e desinformada, achando que todo pedinte é charlatão.

Essas pessoas que vivem nas ruas, para cada palavra de afeto que por ventura tenham ouvido, ouviram uma infinidade a mais de palavrões, discriminações, além de referências mais "leves" que às vezes usamos para com elas...

Valeu por lembrar do meu texto.. o cenário da mendicância pode até parecer glamouroso para muita gente... mas também já tive parco contato com pessoas nessa situação, e tudo o que escrevo tem, como pano de fundo, a tentativa de contribuir para que essa nossa indiferença um dia chegue ao fim.

Foi mal pelo comentário enooooorrrrmeeee (que gay, hein? hehe)

***

A foto do cabeçalho tá ótima.