São 3:45h, esse sono que nunca vem, essa angustia do fracasso por algo que nem sequer chegou a ser um projeto planejado em detalhes, era só um rabisco, mas parecia que iria ser uma casa tão linda, ventilada, com jardins verdes e flores coloridas.
O que ainda estou fazendo com esse copo de cerveja que de tanto tempo parado secou a espuma. Deveria ser um café, mas não, cerveja parecia combinar mais com o dia de hoje.
Paro no posto para encher o tanque. Preciso confiar na autonomia do carro, já que decidi que hoje eu não tenho destino. Pensei em tomar mais duas garafas de Miller, mas estou sóbrio, e ainda não é meu dia de morrer na estrada.
Pego uma barra de chocolate ao leite na loja de conveniência lotada de jovens embriagados, todos com menos de 30 anos. Não sabem eles que esses risos falsos já me alegraram um dia.
Ao colocar a chave na ignição, com um bloco de chocolate na boca, ligo o som, começa a tocar Fake plastic trees, a música mais famosa do Radiohead, e que poucos entendem a letra, mas como já ouviram na TV ou rádio, acham maravilhosa, e eu muito mais.
O trecho de estrada que leva ao fim de Pernambuco, ligando ao estado da Paraíba nunca foi bom, sempre existem buracos e nada de acostamento. Por outro lado, o trecho que finaliza o Recife e começa a cidade de Abreu e Lima tem uma sequencia de curvas que fariam qualquer piloto iniciante se achar o Airton Senna.
Nessas curvas da BR 101 sinto os pneus gritarem, como se acompanhassem Nice Dream, e como essas curvas passam rápido... Que bom se elas não tivessem fim, e se esse carro passasse desses míseros 180 km/h.
Ao passar por Goiana me lembro quando rodei na pista numa noite de chuva, fui parar nos canaviais, e em um dos dias Lynchianos da vida, levei uma lanterna (algo havia me informado que eu deveria levar), tive que trocar um dos pneus em baixo de muita chuva e lama, mas todos os pneus haviam sido avariados. Parei em uma borracharia em Goiana, e fui a um bar estranho a procura de um banheiro. Além da decoração do banheiro lembrar o mais grotesco dos filmes de terror, ao sair do sanitário passei a reparrar que todos os clientes tinham serias deformações, aleijados, retardados, amputados e uma garçonete que transportava bebidas em uma bandeja segurada pelo seu único braço.
Agora era preciso mais atenção na estrada, o sol já estava começando a arder, e é nesse período que os caminhoneiros dormem ao volante.
Mais um trecho que no passado eu passava voando. Lembro de ter cortado uma fila com uns 50 carros. Andava tão rápido que o maior problema seria se algum motorista desatento não olhasse no retrovisor.
Mas eu não conseguia correr, começou a tocar Bullet proof ..i wish i was, a musica mais triste que já ouvi em toda minha vida (tem uma versão emo). Se eu escutar essa música 10 vezes seguidas, ela faz meu coração doer com a mesma intensidade por todas às vezes. E não é a marca de um amor frustrado, e essa droga de lado humanista/existencialista que tem pena desse mundo fragmentado.
Vejo uma senhora passar com um Golden Retriever, e como é tradição de donos de cães dessa raça, eu paro o belo animal para ganhar um sorriso honesto. A senhora me conta sobre a historia de seu bichinho, e como ela não sobreviveria sem ele, já que ele foi uma fuga para sua perda recente, quando passou a carregar o titulo de viúva.
Não queria ter ouvido a historia daquela senhora. Péssimo momento para adquirir dor de terceiros.
Pego novamente a estrada, e fico frustrado por não poder pisar no acelerador, já que a pista esta em obras.
O único modo de relaxar é voltar ao meu CD, que agora começou a tocar a seqüência do disco Hail To The Theif, que muitos fãs do Radiohead não curtem muito. É um disco até mais pesado no sentido depressivo, mas é um marco na sonoridade da banda, que passa a usar ainda mais recursos eletrônicos.
Como isso não é disco para se ouvir em carro... Coloco uma novidade, Chants, Hymns And Dances, um disco para quem curte violoncelo clássico e piano. Anja Lechner e Vassilis Tsabropoulos mostram o que o pessoal de educação musical refinada sabe fazer na Grécia, terra de Vangelis.
Não é que a música é ruim, pelo contrario... Mas já são mais de 24 horas sem dormir, e com um som desses é impossível você não ter vontade de deitar nas nuvens. Para evitar conhecer o céu antes do tempo, mudo para algo mais animado, muito mais animado, Australia do The Shins, impossível não começar a estalar os dedos e balançar as pernas.
Já próximo a entrada que me levaria a Tibal do Sul, sou parado pela policia rodoviária, onde sou interrogado pelo meganha:
Ai descrevi ao policial tudo que vinha acontecendo na minha vida nos últimos 6 anos. Ele me devolveu a carteira, quase me abraçou (suspeitei que ele era gay), e disse algumas palavras positivista. É, ele deve ser gay e ler livros de auto-ajuda.
Meu Deus como eu amo o ar dessa cidade. Já são 9:00h, e para quem não imagina, cidades com menos de um milhão de habitantes também tem engarrafamentos.
Passo em frente a UFRN, um lugar que me fez vir para esse lugar mágico por anos, e com uma freqüência que só motoristas de caminhão poderiam imaginar. Conheci professores dignos e muita gente honesta. Funcionários públicos que mereceriam filmes em sua homenagem.
80 km depois de Natal entro no acesso que leva a Maracajaú, um dos lugares mais mágicos que já pisei (pisei não, porque lá não se pode pisar nos corais).
O sol já havia queimado meus braços erguidos no volante, agora era hora de torrar o resto do corpo. Dei sorte e a maré estava baixa, sem vento e nada de nuvem no infinito azul.
Como estamos em novembro, e não é um fim de semana, a lancha que leva os turistas aos Parrachos (banco de corais), teve que sair apenas comigo e uma francesa.
Mentalmente começou a tocar minha trilha oficial de praia, que é o soundtrack do filme “Instinto Selvagem” (Sliver). Percebi que o animo estava voltando a circular nas veias.
Na verdade, fui para a segunda doca porque próximo a ela ficam os pontos mais profundos, que não chegam a 6 metros com maré baixa. Minha amiga Eva se mostrou muito experiente e com bom fôlego, e comecei a procurar alguns pontos que eu já conhecia de outras visitas. Encontrei o local onde já havia visto moréias, e levei Eva a uns 4 metros, onde ela pode quase que tocar uma moréia enorme, e ver uma delas andando entre os corais, exibindo uma cor muito rara, um verde quase fosforescente.
Eva me dá um beijo de agradecimento, algo tão meigo como uma irmã mais nova que recebe um doce.
Não queria olhar para a Eva, já havia percebido o quanto ela era linda em seu corpo branco e alongado. Estava ali para esquecer outra mulher, e não iria usar a tática de substituição automática.
Tomei um banho no chuveirão da praia. Segui até o único restaurante do local que um dia foi uma colônia de pescadores, hoje vive do turismo. Traz um camarão alho e óleo falei para o garçom caiçara que passou ao lado da mesa.
Comi rapidamente, mesmo que aquele momento merecesse toda a calma do mundo. Pensei em conseguir uma rede e dormir por lá, mas resolvi voltar.
E esse maldito equipamento de som que faz uma seleção que tenta me jogar ao chão... agora toca In Motion #1 do The Gathering, que foi precedida da seqüência: Kevin’s Telescope, Frail (You Might As Well Be Me) e Great Ocean Road, essa ultima me fez jogar o volume no máximo (Será minha música oficial quando estiver percorrendo a referida estrada na Austrália).
Vou encerrando esse texto escutando Age of Loneliness (Carly's Song), da mesma trilha, com as famosas vozes sensuais do Enigma. A música é perfeita para a Sharon Stone em seu papel.
A letra é de uma simplicidade que consegue explicar tudo:
3 comentários:
Depois desse texto, foram quase 24 horas escutando "Tool". Ai chegou o disco novo do "God is an Astronaut", que é o mais pesado de todos os discos dos caras...
Meu ouvido ficou doendo.
Minha terapia está em uns 30%...
E para acalmar os animos e me preparar para noites de festas...
(na verdade, evitar ganhar uma personalidade que não é a minha, e me envolver com a primeira mulher bem maquiada que apareça), só escutando a música mais poetica e filosófica que conheço:
http://www.youtube.com/watch?v=FNf0FhLI8ms
Tudo é temporário, inclusive a vida. Bobo são os que acreditam que "aproveitar" é fazer ela mais curta.
Vamos a farra! Mas com moderação :)
Eu vim justamente falar que AMEI o Gos is an Astronaut \o/
E pois é, eu descobri A Perfect Circle maios ou menos há 1 ano e desde então ele não sai da minha playlist. Vivo garimpando essas pérolas na Internet. Vou dar uma garimpada nas suas coisas e roubar algumas para mim, hohoho...
Beijos!
(Catso de) sensação em comum com o teu post. 'High and dry' foi trilha por aqui, Radiohead e REM in-tha-house.
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